Pequenas Conquistas: Como Empresas Lucram com Nossa Busca por Motivação - O Contábil

Pequenas Conquistas: Como Empresas Lucram com Nossa Busca por Motivação

Abrir um aplicativo de hábitos, marcar uma tarefa como “concluída”, ver uma notificação parabenizando: parece pouco, mas ativa no cérebro o mesmo sistema de recompensa que responde a estímulos como comida, sexo e redes sociais. Na era da produtividade e da autoajuda digital, cada pequeno passo conta — e vale dinheiro. Não é à toa que empresas de tecnologia, saúde, educação e até bancos estão desenvolvendo sistemas baseados em pequenas conquistas. O objetivo não é apenas ajudar o usuário a melhorar sua vida, mas garantir que ele volte no dia seguinte.

A lógica é simples: quanto mais motivado você se sente, mais tempo passa na plataforma. E quanto mais tempo você passa, maior a chance de comprar algo, ver um anúncio ou assinar um plano premium. A sensação de progresso constante, por menor que seja, se transforma em uma poderosa ferramenta de retenção. Mas o que está por trás dessa estratégia? E será que, nessa busca por motivação, não estamos sendo condicionados a perseguir recompensas vazias? Saiba mais aqui, no O Contábil.

A lógica da gamificação e o mercado da motivação

Gamificação é o nome dado ao uso de elementos típicos de jogos em contextos não lúdicos, como educação, trabalho e saúde. Empresas incorporam pontos, medalhas, rankings e desafios diários aos seus produtos para tornar a experiência mais envolvente. O Duolingo, por exemplo, transformou o aprendizado de idiomas em um jogo viciante — e colheu frutos: em 2023, a empresa ultrapassou os 80 milhões de usuários ativos mensais.

Segundo dados da Research and Markets, o mercado global de gamificação deve ultrapassar US$ 30 bilhões até 2027. Essa ascensão mostra como empresas estão percebendo o valor comercial de manter seus usuários motivados por meio de conquistas simbólicas, como desbloquear um novo nível ou completar uma “streak” de sete dias.

Essas pequenas vitórias geram dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer e à recompensa. A cada tarefa marcada como feita, a sensação de bem-estar se renova. Isso mantém o usuário engajado e o encoraja a continuar, mesmo que o objetivo real — aprender, se exercitar, economizar — ainda esteja longe. Assim, o que parece apenas uma funcionalidade divertida, na prática, é uma engrenagem altamente lucrativa.

Todos querem um pedacinho da sua motivação

Apps de meditação como Headspace, de produtividade como Notion, de exercícios como Nike Training Club e até bancos digitais como Nubank e Inter têm apostado em pequenas metas e recompensas para guiar o comportamento do usuário. Marcar três dias seguidos de treino? Você ganha uma animação comemorativa. Gastou menos do que o planejado? O app te parabeniza com emojis e gráficos animados. Dormiu cedo, bebeu água, caminhou 30 minutos? Tudo isso vale um “parabéns!” digital.

Esse tipo de interação parece inofensivo, mas cria um ciclo de dependência emocional com o aplicativo. O usuário deixa de buscar resultados concretos — como mais saúde ou estabilidade financeira — e passa a perseguir a sensação boa de “cumprir o desafio do dia”. O objetivo vira manter a sequência. E, nesse movimento, as empresas ganham: quanto mais engajamento, mais dados, mais receita com anúncios e upgrades.

Essa lógica também influencia o design dos apps. Interfaces coloridas, sons agradáveis e linguagem motivacional são cuidadosamente pensados para estimular o retorno do usuário. Muitas vezes, o app se transforma num ambiente seguro, onde cada ação é reconhecida — ao contrário da vida real, que não oferece medalhas por lavar a louça ou levantar da cama num dia difícil.

O marketing do autocuidado e a monetização do esforço

Outro ponto importante é como essas microconquistas são vendidas como formas de autocuidado. Grandes marcas passaram a explorar o discurso da saúde mental e da disciplina pessoal como forma de engajamento. Mas, em vez de promover mudanças profundas, muitas dessas soluções operam em um nível superficial — oferecendo recompensas rápidas e imediatas para problemas complexos.

O discurso da “melhoria constante” pode, inclusive, se tornar uma armadilha. O usuário sente que precisa estar sempre fazendo algo, sempre batendo metas, sempre “no controle”. Quando falha, sente culpa. Quando acerta, ganha um ponto. E, nesse vaivém emocional, há um fluxo constante de atenção, tempo e dinheiro — todos valiosos ativos digitais.

Empresas como a Fabulous, que propõe “transformações de vida” por assinatura, e plataformas como a Habitica, que gamificam até a faxina da casa, se alimentam dessa lógica. Elas vendem disciplina, motivação e bem-estar — mas, na prática, muitas vezes apenas te mantém ocupado. A Harvard Business Review já apontou como o excesso de foco em metas diárias pode reduzir a autonomia e gerar ansiedade, especialmente quando a recompensa simbólica substitui o progresso real.

Considerações finais

O impulso por marcar “mais uma tarefa feita” ou manter uma sequência ativa pode parecer uma motivação saudável. Mas quando empresas desenham produtos para lucrar com essas pequenas conquistas, é preciso fazer uma pausa e refletir: quem está se beneficiando mais com esse esforço? O mercado da motivação sabe exatamente como capturar nossa atenção e transformá-la em engajamento, dados e receita. Por isso, cultivar o autoconhecimento, reconhecer limites e entender o que realmente te move pode ser tão valioso quanto qualquer medalhinha digital. Porque, no fim das contas, nem toda conquista precisa virar produto.

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