Vivemos em uma era marcada pela sensação constante de ameaça. Crises econômicas, pandemias, guerras, desastres ambientais, golpes digitais e crimes urbanos compõem um cenário no qual o medo não apenas circula livremente, mas é cultivado e explorado de forma sistemática. Em um mundo cada vez mais imprevisível, a busca por proteção se transforma em um mercado gigantesco, que movimenta bilhões e reconfigura hábitos de consumo, políticas públicas e até mesmo nossas relações pessoais.
Essa economia da insegurança vai além das fechaduras digitais, câmeras ou softwares antivírus. Ela abrange um amplo ecossistema de serviços e produtos — de bunkers residenciais a seguros para praticamente qualquer tipo de risco — alimentado por uma lógica simples: quanto maior a sensação de perigo, mais dispostas as pessoas estarão a pagar por qualquer coisa que ofereça a promessa de controle ou segurança. Mas até que ponto esse mercado nos protege de fato? E quanto ele lucra com o nosso medo? Saiba mais aqui, no O Contábil.
A indústria da segurança como resposta à ansiedade coletiva

Nos últimos anos, a demanda por serviços de vigilância cresceu exponencialmente. Residências com câmeras inteligentes, prédios monitorados por centrais 24h, aplicativos de rastreamento familiar e soluções de segurança cibernética para o uso doméstico deixaram de ser exceção para se tornarem padrão. O que antes era comum apenas em empresas ou em locais com alto índice de violência agora faz parte da rotina de muitos lares de classe média.
Essa expansão não acontece por acaso: ela é movida por um sentimento generalizado de vulnerabilidade. Notícias constantes sobre crimes, golpes e invasões virtuais alimentam um ciclo no qual o medo se torna justificativa para consumo. Com isso, empresas do setor de segurança prosperam. De acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança (ABESE), o setor movimenta mais de R$ 40 bilhões por ano no Brasil — e o número tende a crescer diante do avanço da tecnologia e da intensificação da paranoia social.
A digitalização do medo e a explosão da cibersegurança
Com o cotidiano migrando para o digital, o medo também se virtualizou. Golpes por mensagem, roubo de dados, clonagem de contas bancárias e ataques hacker deixaram de ser ficção e passaram a fazer parte do noticiário e da experiência direta de milhões de pessoas. Como resposta, a indústria da cibersegurança se expandiu de forma acelerada, oferecendo soluções tanto para grandes corporações quanto para indivíduos comuns.
Softwares antivírus, autenticações de dois fatores, gerenciadores de senhas e firewalls se tornaram ferramentas básicas para quem quer se proteger. A previsão de especialistas — como os consultados pelo site da Associação Brasileira de Internet (Abranet) — é de que esse mercado continue em crescimento, impulsionado por tecnologias como a inteligência artificial, o reconhecimento facial e a vigilância automatizada. Mas, ao mesmo tempo em que essas ferramentas oferecem proteção, elas também geram novas formas de controle e vigilância, tornando tênue a linha entre segurança e invasão de privacidade.
Seguros, bunkers e o consumo da prevenção
Outra face da economia do medo é o mercado de seguros, que se fortalece à medida que as pessoas buscam prever e mitigar perdas futuras. Hoje é possível contratar seguros para quase tudo: aparelhos eletrônicos, viagens, pets, casamentos e até para riscos climáticos. Essa lógica da prevenção permanente cria uma relação em que o consumo é impulsionado pela antecipação do pior — uma mentalidade reforçada por empresas que trabalham com o conceito de risco como produto.
Nos Estados Unidos, a construção de bunkers residenciais com acesso a internet, estoque de alimentos e sistema de purificação de ar é um exemplo extremo, mas real, desse tipo de consumo. No Brasil, embora essa tendência ainda seja marginal, cresce o investimento em condomínios fechados, carros blindados e produtos voltados à segurança doméstica. Em todos os casos, o medo é traduzido em mercadoria — e quanto mais sofisticado o pânico, maior o valor do que é oferecido como solução.
Entre segurança e controle: os dilemas éticos do setor

O crescimento da economia do medo levanta questões importantes sobre seus limites éticos. Afinal, segurança para quem? Em muitas cidades brasileiras, os investimentos em segurança privada superam os aportes públicos, o que contribui para ampliar desigualdades: quem pode pagar, se protege; quem não pode, segue vulnerável. Isso reforça uma lógica de exclusão que transforma o medo em um instrumento de segmentação social.
Além disso, o uso crescente de tecnologias de vigilância em espaços públicos e privados acende alertas sobre liberdades individuais. O monitoramento constante — seja por câmeras, dados de geolocalização ou registros de navegação — cria um ambiente em que a sensação de segurança pode custar caro para a privacidade. Como alerta o site da Electronic Frontier Foundation (EFF), referência global na defesa de direitos digitais, os avanços tecnológicos não podem ser utilizados como justificativa para violar garantias civis em nome da proteção.
Considerações finais
O medo, quando explorado comercialmente, se transforma em uma das forças mais poderosas da economia contemporânea. De fechaduras digitais a bunkers de luxo, de seguros climáticos a algoritmos preditivos, o mercado encontra formas cada vez mais sofisticadas de lucrar com a incerteza. Embora a busca por proteção seja legítima, é preciso questionar os limites dessa lógica: até que ponto estamos dispostos a pagar — em dinheiro e em liberdade — pela promessa de segurança? E quem se beneficia, de fato, desse modelo? Em um mundo onde a insegurança é frequentemente fabricada, repensar nossas escolhas pode ser o primeiro passo para escapar das armadilhas do medo como mercadoria.